Todos estes mundos são seus, exceto Europa

Em 21 de setembro de 2013, completaram-se dez anos de um dos grandes momentos dilemáticos da humanidade. A data passou despercebida para a maioria das pessoas, e não é com grande surpresa que constato isso, considerando a novidade da questão. Mas bem que merecia uma comemoração, na forma de palestras informativas. O fato é que, como bem aponta o astrofísico e astrobiólogo Amâncio Friaça (USP), dez anos atrás nos vimos diante de uma das mais surpreendentes encruzilhadas éticas da história. E quanto mais o tempo passar, mais nos depararemos com questões similares.

Curioso[a]? Vamos lá:

Em 18 de outubro de 1989, a NASA lançou ao espaço a nave Galileu, com a finalidade específica de estudar o planeta Júpiter e suas luas. Dividida em um orbitador e uma sonda, a missão investigou o sistema jupiteriano por oito longos anos, fornecendo-nos detalhes de alta relevância científica sobre o maior dos planetas de nosso sistema e seus respectivos satélites. Qual não foi a surpresa dos cientistas ao constatar que Europa, uma das luas jupiterianas de dimensões similares às da Lua, tinha um oceano debaixo da crosta de gelo. Um oceano cujo volume era dez vezes superior ao do nosso planeta.

Vou repetir: um corpo planetário do tamanho da nossa Lua, mas com dez vezes mais volume de líquido do que os nossos oceanos. Um oceano salgado, provavelmente com compostos sulfúricos ou ferrosos, dada a coloração avermelhada obtida nas análises espectográficas.

Eis o dilema ético: este oceano poderia abrigar vida? Sim, poderia. Se o orbitador caísse em Europa, poderia abalar o ecossistema do satélite? Sim, certamente abalaria. Galileu não havia sido devidamente esterilizada, e poderia até mesmo contaminar Europa com bactérias terrestres. Uma extremófila como a radio durans poderia ter sobrevivido, ou mesmo uma bactéria superpsicrófila, daquelas que amam baixíssimas temperaturas. Uma eventual contaminação, além de poder abalar o possível ecossistema de Europa, tornaria qualquer pesquisa futura prejudicada. Como saber, por exemplo, se bactérias encontradas no futuro se desenvolveram em Europa ou foram apenas transferidas da Terra para lá? A questão da contaminação interplanetária é um problema real a ser considerado… e evitado!

A missão Galileu poderia ter continuado onde estava por muitos e muitos anos, fornecendo-nos importantes dados sobre Europa. Mas a decisão tomada priorizou a proteção de Europa, considerando o seguinte risco: e se algo der errado e o orbitador cair no satélite? Ainda que o prejuízo envolvesse milhões de dólares, a NASA atirou o orbitador na direção de Júpiter a 50 km por segundo, a fim de destruí-lo.

Em 1982, o escritor Arthur Clarke escreveu a obra ficcional “2010”, uma continuação de “2001 – Uma Odisseia no Espaço”. Neste livro, a humanidade é advertida por uma superinteligência alienígena: todos estes mundos são seus, exceto Europa. Este é um daqueles curiosos casos em que a ficção antecipa laivos de algo significativo. Clarke estava certo: Europa precisa ser protegida. Ela pode ser efetivamente a resposta para a pergunta: estamos sós no Universo? Além disso – e é importante destacar – Europa representa a emergência de uma nova questão bioética: os direitos dos alienígenas. Um pequeno dilema frente a outros maiores que certamente surgirão, na medida em que nossa ciência avançar e nos depararmos com o momento derradeiro de contato com outros seres, sejam eles inteligentes ou não.